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Todos contra Júlia
Documentário
Uma investigação das dificuldades encontradas pelas mulheres que quiseram fazer da escrita um ofício, a partir da história de Júlia Lopes de Almeida, o primeiro e mais emblemático vazio institucional da Academia Brasileira de Letras produzido pela barreira de gênero.
O grupo de idealizadores da Academia Brasileira de Letras, fundada em 1897, contava com uma célebre figura, que se encontrava no rol das mais publicadas no Brasil da chamada Primeira República (1889-1930). Júlia Lopes de Almeida (1862-1934), no entanto, nunca chegou a integrar a galeria dos imortais.
Concebida à imagem e semelhança de sua congênere francesa, a Académie Française de Lettres, em cujo Regimento Interno a expressão homme de lettres adquiria sentido literal, a história de Júlia na ABL culminou em um desfecho sugestivo, que viria a assumir os contornos de uma gentileza compensatória: o ingresso do cônjuge da escritora, o jornalista Filinto de Almeida. Em 1905, Filinto, em uma entrevista a João do Rio, declararia: "Não era eu quem devia estar na Academia, era ela".
Em uma época em que as mulheres enfrentavam inúmeras barreiras sociais e simbólicas para conseguirem fazer da escrita um ofício e, mais amplamente, para obterem prestígio como produtoras de conhecimento, Júlia conseguiu se profissionalizar como escritora, construiu uma carreira literária longeva e muito bem-sucedida, notabilizando-se em vida.
Ainda pouco conhecida do grande público, a produção da escritora revela não apenas uma verve criativa, mas também certa versatilidade estilística: Júlia transitou pelos romances, pelas crônicas e contos, produziu ensaios, conferências, uma obra sobre jardinagem e diversos textos dramatúrgicos. Suas contribuições para a imprensa se estenderam por mais de trinta anos, tendo sua trajetória sido marcada pela passagem por diversos jornais, a exemplo de O país, Jornal do Comércio, Gazeta de Notícias, A Semana etc.
Filha de lisboetas, nascida no Rio de Janeiro, Júlia Lopes de Almeida recebeu em casa, desde cedo, os estímulos que viriam a despertá-la para o mundo das letras. A escritora foi testemunha ocular e também intérprete das transformações histórico-sociais que marcaram a passagem do Brasil Império para o Brasil República.
Historicamente, a produção autoral feminina sempre foi bastante desencorajada, vista pela sociedade com grande objeção, especialmente nos casos em que tal habilidade começava a ganhar, de fato, os contornos de profissão.
O documentário TODOS CONTRA JÚLIA vai investigar e reconstruir os bastidores do ingresso das mulheres na Academia Brasileira de Letras. A instituição, que completou 120 anos de existência em julho de 2017, firmou-se como um ambiente marcadamente masculino. Até hoje, apenas oito mulheres ingressaram.
Em uma época em que os debates sobre gênero têm ganhado cada vez mais destaque, conhecer a vida e a obra da primeira lacuna institucional feminina da ABL mostra-se ainda mais simbólico se pensarmos em como um critério extraliterário – no caso, o ser mulher – atuou e ainda exerce sua função, muitas vezes, determinante.
Foram necessários 80 anos da fundação da ABL para que a escritora Rachel de Queiroz (1910-2003) ocupasse a sua cadeira de imortal, marcando o ingresso da primeira mulher à instituição.
Júlia Lopes de Almeida foi o primeiro e mais emblemático vazio institucional da ABL produzido pela barreira de gênero.